Texto: Pastor Hermes Fernandes
Enviado por: Pastor Pedro Villela
Quem nunca foi tomado por um forte sentimento de culpa? Quem jamais desejou voltar no tempo para consertar as coisas? Mesmo Judas, o apóstolo traidor, sentiu-se profundamente arrependido do que fizera ao seu Mestre. Lembro-me quando me emprestaram um livro chamado “Eu, Judas”, onde o autor tentava redimir a figura do apóstolo traidor. Entre suas teorias, talvez a mais contundente era a que dizia que Judas fora movido por um propósito altruísta. Ele achava que se “cutucasse a onça com vara curta”, Jesus se levantaria, assumindo Seu papel messiânico, arregimentando Seu povo para uma tomada de poder. A traição seria apenas um empurrãozinho. Mas as coisas não aconteceram como planejadas.
Quando Judas ouviu de Jesus que os discípulos deveriam se armar para acompanhá-lo até o Getsêmane, ele imaginou que finalmente a revolução ocorreria. Porém, Jesus jogou um balde de d’água fria em seus planos quando não apenas reprovou a atitude violenta de Pedro ao desembainhar sua espada para defendê-lo, como também colocou no lugar a orelha decepada de um dos soldados do Sinédrio que vieram prendê-lo.
Amargurado com os rumos dos últimos acontecimentos, Judas dirigiu-se aos principais sacerdotes e anciãos para devolver-lhes o dinheiro que recebera para trair seu Senhor. Tudo deu errado! Jesus fora condenado, preso, e em mais algumas horas seria crucificado. A conclusão a que Judas chegara foi expressa na frase: “Pequei, traindo o sangue inocente”. Já que não dava pra voltar atrás, pelo menos o dinheiro que recebera deveria ser devolvido. Mas para sua surpresa, os sacerdotes recusaram recebê-lo de volta. E olha que trinta moedas de prata eram uma quantia considerável. Como os sacerdotes recusaram-se a recebê-la, Judas atirou-a para dentro do santuário e retirou-se já resolvido a suicidar-se.
Que destino deveriam tomar aquelas moedas? Por mais sórdidos que fossem aqueles sacerdotes, ainda lhes restara certo senso de ética. Em conselho convocado de última hora, concluíram: “Não é lícito metê-las no cofre das ofertas, porque é preço de sangue.”
Como alguém que foi capaz de subornar um dos apóstolos de Jesus para traí-lo, ainda seria capaz de posicionar-se eticamente? Por incrível que pareça, tal senso ético não tem sido facilmente encontrado em muitas lideranças cristãs. Ouvem-se rumores de líderes que aceitaram dinheiro do tráfico para financiar a construção de seus templos ou a aquisição de canais de TV. Soube do caso de uma igreja que apoiou a candidatura de um governador, e que após as eleições bem-sucedidas, veio cobrar-lhe uma secretaria, como havia sido prometido. O governador alegou que todas as secretarias já estavam ocupadas, e que só sobrara a Loteria do Estado (achando que certamente a igreja não aceitaria). Para a surpresa do governador (evangélico, diga-se de passagem), os dirigentes da igreja aceitaram de bom grado a direção do jogo no Estado. Imagine: como uma igreja poderia pregar contra o jogo, se ela mesma é quem está à frente dele?
A conclusão a que chego é que os principais sacerdotes que condenaram Jesus eram mais éticos que muitos líderes evangélicos de nosso tempo. Que vergonha! Quantos ministérios edificados sobre "Campos de Sangue"? Quantas ofertas recebidas que foram fruto de extorsão, venda de drogas, vidas arruinadas, dinheiro público desviado que deveria ser usado na compra de ambulâncias, merenda escolar, segurança, etc.?
Já que aquele dinheiro sujo não deveria ser depositado no cofre do templo, algo precisaria ser feito. Alguém teve uma “brilhante” ideia: Vamos utilizá-lo na aquisição de um campo para servir de cemitério para os estrangeiros. O conselho prontamente votou e aceitou.
O dinheiro foi considerado tão sujo, que mesmo que fosse usado na construção de um cemitério, este deveria ser destinado unicamente aos estrangeiros. Nenhum judeu poderia ser enterrado nele. A propriedade adquirida recebeu o nome de “Campo de Sangue”.
Interessante notar que o relato feito por Lucas difere um pouco de Mateus, que é o que temos considerado até agora. Segundo Lucas em seu relatório conhecido como Livro de Atos dos Apóstolos, o próprio Judas teria adquirido aquele campo com o “salário da sua iniquidade”.
Não creio que haja contradição entre Mateus e Lucas. O fato é que Lucas intencionalmente atribuiu a Judas a compra daquele campo para enfatizar o seu terrível destino. Como que por coincidência, Judas sai em busca de um lugar ermo para dar cabo de sua vida, avista uma árvore à beira de um precipício, pendura-se nela, com o peso do seu corpo, o galho se quebra, e ele se precipita no abismo, tendo suas entranhas espalhadas pelo campo. Era uma imagem horrível de ser ver. O que ele jamais poderia supor é que aquele lugar escolhido para ser cenário de seu suicídio era justamente o campo comprado com dinheiro que recebera pela traição.
Judas bem que tentou livrar-se daquelas moedas, mas elas o perseguiram até o fim.
Em contraste com Jeremias, que mesmo preso adquiriu, por ordem do Senhor, um campo em Anatote (que quer dizer “Resposta à oração”), o campo adquirido com o dinheiro da traição foi chamado de Acéldama, que significa “Campo de Sangue”.
Acéldama representa o fim da linha, o precipício do qual a alma humana se lança quando trai a si mesma. Toda traição é auto-traição. Ninguém trai alguém se trair a si mesmo. E toda a traição tem um salário e um custo. O custo jamais compensa o salário que se recebe dela. E não adianta tentar fugir, lançar as moedas de volta ao seu lugar de origem. Elas nos acharão!
O precipício é o preço da precipitação. Precipitamo-nos sempre que sacrificamos nossos princípios e valores no altar do imediatismo. Traímos nossas convicções por conveniência. Somos iludidos pela ideia de que é possível apressar o processo.
Um dia o que estava oculto vem à tona. As entranhas de Judas são expostas. E aí... será tarde demais.
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